Te
conheci no dia mais triste da minha vida. Estava voltando do hospital, com
olheiras de dois metros por não dormir há quase 36 horas e um humor de cão.
Minha bolsa pesava uns seis quilos a mais do que deveria e estava cheia de
remédios, para dor de cabeça, para dormir à noite, contra a depressão. No
metrô, entre uma estação e outra, enquanto procurava meus óculos de sol, numa
tentativa de esconder metade da minha cara, esbarrei em você. Nem me importei
em pedir desculpas, naquele dia eu estava longe de ser um exemplo de educação.
Estava cansada da vida e de todo aqueles seres vivos também.
Me
sentia sufocada, inteiramente, completamente, mortalmente. Você não disse nada.
O trem freou sem mais e voltei a te empurrar, esta vez com um agravante,
pisando seu pé com meu salto. Pedi desculpas, num tom frio. Você sorriu.
Continuei a olhar para o final daquele vagão, sem reparar nos seus dentes
brancos, no seu olhar manso. Queria mesmo era explodir o mundo, era chegar em
casa e apagar. Não queria pensar.
Descemos
na mesma estação. Claro, eu não reparei, havia um mar de pessoas, mas você me
viu. Não consegui chegar na escada rolante e parei na metade do caminho, em
meio a esse formigueiro humano e desabei. Cai de joelhos, com os olhos cheios
de lágrimas, larguei minha bolsa e pedi que a terra se abrisse, para me engolir
inteira. Vi espanto nos rostos alheios, um pouco de compaixão. Olhei para
minhas mãos, reparei no esmalte descascado das minhas unhas. Pensei na última
vez que havia tomado um banho demorado, massageando meu couro cabeludo,
sentindo o perfume do meu sabonete favorito.
Você
me puxou pelo braço e me ajudou a sentar no banco. Perguntou se estava me
sentindo mal, se precisava de ajuda. Se queria comer alguma coisa, você pagava.
Eu só conseguia pensar em como tudo aquilo era inútil. Comer, dormir, sentir.
Viver. Como era inútil viver se um dia ia acabar. Comecei a rir, na sua cara
mesmo. Você me olhou estranho, pegou na minha mão.
-Qual
é seu nome?
-Mariana.
-Mariana,
tudo bem se eu te levar numa padaria aqui perto? – você me ajudou a levantar e
caminhamos devagar.
Você
pediu dois expressos e não disse mais nada. Ficou ao meu lado. Eu bebi dois ou
três goles, sentindo amargo na boca, não do café, mas da vida. Pisquei para o
cara ao lado, sem motivo algum. Você pagou com dinheiro e saímos. Atravessei a
avenida correndo, sem sequer olhar os carros e quando estava ensaiando me
atirar da ponte que havia ali perto, você me puxou, com força e ambos caímos no
chão, no cimento frio e sujo, meu rosto molhado de lágrimas e de maquiagem
borrada.
-O
que há de errado com você?
-Minha
mãe morreu hoje de manhã – choraminguei. Senti um pedaço da minha alma indo
embora.
Fez-se
um silêncio.
-Eu
sei bem como é perder alguém – falou calmo – minha irmã faleceu faz quatro
anos. Vai ficar tudo bem.
Vai
ficar tudo bem. Vai ficar tudo em um universo paralelo. No meu mundo, no meu
agora, está tudo errado.
-Essas
coisas passam, de verdade – você tentou novamente – é difícil, mas passa. Você
vai continuar com sua vida e vai ficar tudo bem – sua voz foi minguando até
ficar no limite do audível – você vai conseguir.
Continuei
chorando, me desmanchando. Fechei os olhos. Minhas mãos geladas encontraram as
tuas. Depois apaguei. De cansaço, de dor, de magoa. Era o pior dia da minha
vida e você estava lá.
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