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25 junho, 2013

que seja eterno enquanto dure

  

                Corri nas pontas dos dedos até ficar bem perto da água, sentir a areia quentinha entre meus dedos e ouvir o som das ondas explodindo no paredão de pedra. Que cenário único, pensei. Fiquei observando o mar até cansar de procurar seu horizonte. Era comecinho de novembro e ainda havia calmaria, nada de crianças correndo ou adultos papeando. Nada de partidos de futevôlei ou vendedores de picolé. Somente o mar, o sol e eu. E você. Claro, só você para chegar com seu andar manso e me beijar de leve no pescoço, bem de leve, só para me ver arrepiada. Só para ver minha cara de surpresa e meu pulo de alegria e voltar correndo que nem moleque para a casa de madeira que havia ali perto.
                Era alugada e cheia de moveis velhos, mas quem se importava. Era nossa um fim de semana inteiro e tinha orgulho de ter juntado a grana para isso. As mochilas ainda estavam jogadas no meio da sala. Quando consegui te alcançar já estávamos no corredor e havia me esquecido de limpar os pés. Bendito piso de cerâmica. Olhei para você. Te conhecia há menos de um mês e já tinha sonhado com você um trilhão de vezes, em mil esquemas diferentes e havia me lembrado de você ao ler poemas e ouvir trilhas sonoras e agora morria de vontade de ficar ao seu lado a tarde inteira, jogando conversa fora.
                Puxei-te pelo braço até a sala e sentamos no sofá meio encardido. Na parede em frente havia um vazio, onde talvez em outros tempos houvesse um piano ou quadros. Você pegou na minha mão e fechou os olhos. Pediu para imaginar o mundo daqui a cem anos, mil anos. Imagina as loucuras do futuro, Márcia.  Tentei ser criativa, mas só pude lembrar de filmes como Matrix. E sociedades pós-apocalipticas. Mas você não, sei que não. Você ficou um tempinho assim, calado, admirador nato do silêncio. Foi abrindo um sorriso devagarzinho e depois virou-se para o meu lado. Não disse nada, embora ecoasse nos meus ouvidos um te amo. Teu beijo era como um dia de verão.
Você me ensinou a fazer o melhor sanduiche da historia, com duas fatias de queijo e geleia caseira de amora. Falou que cresceu sendo neto de doceira e por isso levava jeito na cozinha. Mais uma vez, fui conquistada por sutilezas.
E houve um momento, naquela tarde inédita, em que você se aproximou de mim e me abraçou de surpresa. Fiquei tão boba de te sentir próximo que o prato ensaboado caiu das minhas mãos. Você sorriu, catando os cacos e zombando da minha falta de jeito. Começou a contar uma historia engraçada sobre seu irmão e riu sozinho, e aquilo aqueceu meu coração. Te achei tão família. Tão transparente, tão fácil de ser amado.
Ficamos até de madrugada falando besteira, misturando papos sobre os anos no colegial com um vinho comprado no mercadinho da vila. Quando estava na metade do meu monologo sobre minha aversão ao casamento, começou a chover. Uma chuva pesada onde o céu parece despencar. Sabe o que sempre tive vontade?, falei sorrindo. De um beijo cinematográfico embaixo de um temporal.
Puxou-me sem mais palavras e logo nos primeiros passos do lado de fora senti meu vestido encharcar. Corremos até perto do píer e ficamos lá, olhando para a obra prima da natureza, o mar furioso, escuro e de ondas assustadoras. Você me puxou para perto e mesmo com o estrondo da chuva, pude ouvir da sua boca o meu nome.

Lembro-me de você ao meu lado de manhã. Do café da manhã com suco de laranja e pão fresquinho. Lembro do almoço improvisado. Da tarde jogando xadrez e assistindo o canal local. De empurrar o carro por mais de quadra e meia para fazê-lo funcionar. Das músicas chicletes na estrada. De dividir o chocolate do posto de gasolina. E ficar com vergonha quando estávamos no meio do nada e eu precisei descer do carro depois de litros de coca-cola.


Todo ano eu volto à praia. Por uma tarde. Caminho descalça na areia, converso com o mar e vou embora. Estaciono o carro bem longe da casa onde ficamos. Ainda dói saber que ela presenciou nosso adeus. Que você fugiu para outros cantos do planeta e casou-se com uma italiana. E que eu mesma, apaixonada por você, terminei traindo meus próprios conceitos. Casei-me três anos depois da nossa viagem. Com um colega de trabalho.
As vezes penso na loucura que é a vida. Como o tempo é algo relativo. Te amei tão intensamente que não foi preciso uma vida inteira para isso. Te amei um mês inteiro e isso bastou para o resto dos meus dias. 

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