Corri
nas pontas dos dedos até ficar bem perto da água, sentir a areia quentinha
entre meus dedos e ouvir o som das ondas explodindo no paredão de pedra. Que cenário único, pensei. Fiquei
observando o mar até cansar de procurar seu horizonte. Era comecinho de
novembro e ainda havia calmaria, nada de crianças correndo ou adultos papeando.
Nada de partidos de futevôlei ou vendedores de picolé. Somente o mar, o sol e
eu. E você. Claro, só você para chegar com seu andar manso e me beijar de leve
no pescoço, bem de leve, só para me ver arrepiada. Só para ver minha cara de
surpresa e meu pulo de alegria e voltar correndo que nem moleque para a casa de
madeira que havia ali perto.
Era
alugada e cheia de moveis velhos, mas quem se importava. Era nossa um fim de
semana inteiro e tinha orgulho de ter juntado a grana para isso. As mochilas
ainda estavam jogadas no meio da sala. Quando consegui te alcançar já estávamos
no corredor e havia me esquecido de limpar os pés. Bendito piso de cerâmica.
Olhei para você. Te conhecia há menos de um mês e já tinha sonhado com você um
trilhão de vezes, em mil esquemas diferentes e havia me lembrado de você ao ler
poemas e ouvir trilhas sonoras e agora morria de vontade de ficar ao seu lado a
tarde inteira, jogando conversa fora.
Puxei-te
pelo braço até a sala e sentamos no sofá meio encardido. Na parede em frente
havia um vazio, onde talvez em outros tempos houvesse um piano ou quadros. Você
pegou na minha mão e fechou os olhos. Pediu para imaginar o mundo daqui a cem
anos, mil anos. Imagina as loucuras do
futuro, Márcia. Tentei ser criativa,
mas só pude lembrar de filmes como Matrix. E sociedades pós-apocalipticas. Mas
você não, sei que não. Você ficou um tempinho assim, calado, admirador nato do
silêncio. Foi abrindo um sorriso devagarzinho e depois virou-se para o meu
lado. Não disse nada, embora ecoasse nos meus ouvidos um te amo. Teu beijo era como um dia de verão.
Você me ensinou
a fazer o melhor sanduiche da historia, com duas fatias de queijo e geleia
caseira de amora. Falou que cresceu sendo neto de doceira e por isso levava
jeito na cozinha. Mais uma vez, fui conquistada por sutilezas.
E houve um
momento, naquela tarde inédita, em que você se aproximou de mim e me abraçou de
surpresa. Fiquei tão boba de te sentir próximo que o prato ensaboado caiu das
minhas mãos. Você sorriu, catando os cacos e zombando da minha falta de jeito. Começou
a contar uma historia engraçada sobre seu irmão e riu sozinho, e aquilo aqueceu
meu coração. Te achei tão família. Tão transparente, tão fácil de ser amado.
Ficamos até de
madrugada falando besteira, misturando papos sobre os anos no colegial com um
vinho comprado no mercadinho da vila. Quando estava na metade do meu monologo
sobre minha aversão ao casamento, começou a chover. Uma chuva pesada onde o céu
parece despencar. Sabe o que sempre tive
vontade?, falei sorrindo. De um beijo
cinematográfico embaixo de um temporal.
Puxou-me sem
mais palavras e logo nos primeiros passos do lado de fora senti meu vestido
encharcar. Corremos até perto do píer e ficamos lá, olhando para a obra prima
da natureza, o mar furioso, escuro e de ondas assustadoras. Você me puxou para
perto e mesmo com o estrondo da chuva, pude ouvir da sua boca o meu nome.
Lembro-me de
você ao meu lado de manhã. Do café da manhã com suco de laranja e pão
fresquinho. Lembro do almoço improvisado. Da tarde jogando xadrez e assistindo
o canal local. De empurrar o carro por mais de quadra e meia para fazê-lo
funcionar. Das músicas chicletes na estrada. De dividir o chocolate do posto de
gasolina. E ficar com vergonha quando estávamos no meio do nada e eu precisei
descer do carro depois de litros de coca-cola.
Todo ano eu
volto à praia. Por uma tarde. Caminho descalça na areia, converso
com o mar e vou embora. Estaciono o carro bem longe da casa onde ficamos. Ainda
dói saber que ela presenciou nosso adeus. Que você fugiu para outros cantos do
planeta e casou-se com uma italiana. E que eu mesma, apaixonada por você,
terminei traindo meus próprios conceitos. Casei-me três anos depois da nossa
viagem. Com um colega de trabalho.
As vezes penso
na loucura que é a vida. Como o tempo é algo relativo. Te amei tão intensamente
que não foi preciso uma vida inteira para isso. Te amei um mês inteiro e isso
bastou para o resto dos meus dias.
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